Quando vamos começar ou retomar um processo psicoterapêutico podem surgir muitas dúvidas. E boa parte delas gira em torno da relação que vamos estabelecer com a psi. Não é mesmo?
Cada relação entre psi e paciente tem suas particularidades, é um vínculo com papeis bem específicos para cada um dos lados, uma relação com seus combinados e compromissos específicos. Todavia, é fundamental termos bastante cuidado pra não colocar a relação com certos profissionais em um pedestal, sabe? Como se fosse uma relação de outra ordem em que entro zerade e tenho que aprender do zero como falar, o que falar etc.
Toda relação é relação, a psicoterapia não foge disso e mais: a nossa relação terapêutica muito diz das relações que estabelecemos em nossa vida. A diferença é que trabalhamos em cima disso com uma intencionalidade específica em que a psi se ampara por teorias, métodos e técnicas. Mas não deixa de ser mais um vínculo que construímos no nosso viver.
Longe eu de cair em ditar se você faz isso, então significa aquilo. Cada caso é um caso e só na relação a gente entende…
… Aliás …
Aliás, o antecipar como me preparar pra uma relação também pode dizer muita coisa da gente: necessidade de antecipar tudo, necessidade de controle, medo de decepcionar e não ser aceite. Carregamos conosco toda uma história que tornou a gente desse jeitinho e levamos isso para vários lugares, inclusive para a terapia.
O fato de cada caso ser um caso não anula poder pensar de modo geral em certas dúvidas como: “o que vou falar na sessão pra psi?”, “o que será vai acontecer?”, “o que ela vai pensar se eu disser isso?”, dentre outras coisas.
O que falar na terapia?
Sobre o tal do que eu vou falar na terapia. O que você quiser, se as angústias e sofrimentos se desdobram do nosso modo viver, como antecipar qual vai ser o ponto de partida mais certeiro de falar dessa vida? Isso não significa que você é obrigade a se desnudar e falar de tudo logo de cara.
Vínculo implica em confiança, não é nada de absurdo pensar “Não conheço essa psicóloga, ainda não sei como e se quero falar sobre tal coisa”. Vínculo e confiança podem demandar tempo e tudo bem.
O transcorrer da construção desse vínculo permite pensarmos em aspectos do nosso desenvolvimento psíquico que falam da gente e das nossas questões: por que sempre a resistência em confiar, por que sempre testar e outre, o que acontece que quando me dou conta contei a história da minha vida pra uma pessoa que nem conheço?
Pensando além
Essa mesma linha de pensamento pode ser a porta de entrada para a gente pensar uma série de outros aspectos da constituição do nosso ser: por que tenho tanto medo na vida, inclusive na terapia de falar algo errado, decepcionar outres, não ser agradável e não gostarem de mim?
Já que estamos falando de relação, podemos pensar no como significamos e outre da relação, incluindo as pessoas com quem nos relacionamos, como a psi: o que quer dizer eu sempre pegar o que o outro diz como palavra escrita em pedra; O que quer dizer eu sempre achar que todo mundo tá errade e só eu certe? Por que sempre me sinto em dívida com as pessoas ou por que eu sempre acho que todo mundo tá em débito comigo? Por que quando outres não atendem minha expectativa (e por que essa é a minha expectativa?) eu faço acusações?
Habemus um vínculo
Quando a gente vai se indagando disso tudo, a gente pode falar de aprofundamento do vínculo. A relação deixa de ficar em águas rasas e ganha profundidade. O próprio jeito de passarmos pelo aprofundamento é mais um ponto de observação: por que lido com desconfortos desse jeito? Por que isso me é desconfortável? O que eu chamo de conforto é cuidado ou fuga?
É nesse aprofundamento de onde o calo aperta que a parte ganha significado no todo. Nada na gente é por acaso, a questão é o quão conscientes estamos das determinações detrás do como agimos. Falar muito sem dar espaço ao outro ou não querer falar; o desconforto com o silêncio; o não cumprimento de combinados como horário, pagamento, encerramento de tratamento. Tudo diz respeito a relação, então tudo nos envolve!
Em suma, o que esperar de um começo ou recomeço de terapia: construção de relação e aprofundamento dela, consciência do porquê agimos de certo modo no construir e aprofundar e do porquê lidamos como lidamos. Entende porque não dá pra antecipar resultados de uma relação antes de passar por ela? Ela é o meio da gente se constituir e se desenvolver!
Enfim…
Desenvolver-se é incorporar e superar a dinâmica relacional que nos trouxe até aqui, mas que não cabe mais no nosso viver, seja, por exemplo, o se organizar em torno de outre, como o esperar que outres se organizem em torno da gente.
Terapia não é já trazer isso resolvido, é trabalhar juntes tudo isso! Chegar com incoerências, contradições e dificuldades é o que abre portas para dentro da gente.