Acabar com a LGBTfobia é lutar para um dia não precisarmos mais usar a sigla LGBTQIAP+
É isso mesmo que você leu. Se você nunca sonhou com um mundo que a gente não possa superar essa sigla, que tal repensar?
É muito orgulho poder sem constrangimento escrever LGBTQIAP+ em tudo quanto é lugar. Marcar a nossa existência em todos os lugares e ver essa sigla tão linda crescendo. Nossas múltiplas existências e formas de amar estão ganhando nome e visibilidade. Isso não é pouca coisa.
Ao mesmo tempo, quando pensamos em emancipação de gênero e de sexualidade a gente pensa necessariamente num mundo em que a hetero-cis normatividade saia da ordem do dia.
O que isso quer dizer? Vai continuar existindo pessoas cis-heteras se um dia acabar a LGBTfobia? Sei lá, talvez sim, talvez não. Mas não vai fazer a menor diferença. Vai ser só mais uma forma de ser e estar no mundo no meio de tantas que sempre existiram e existirão. Hoje a gente precisa marcar a existência LGBTQIAP+ em todo o lugar porque ela é objetivamente o antagonismo contra a heterocis normatividade que cria falsos antagonismos entre a própria humanidade, que destroi amizades, famílias, etc.
Pensar na diversidade da humanidade em suas últimas consequências é pensar num mundo que hoje nomear as partes do todo para um dia internalizar o todo como superação dos antagonismos que são a única condição de existência hoje.
Que um dia a gente supere o ABCdário de explicação das múltiplas facetas do que somos e que ela não seja marcação de desigualdades que são a base de tantos dos nossos sofrimentos psíquicos.
Mas enquanto não superamos, seguimos aqui exaltando o direito das letrinhas mais marginalizadas dessa sigla. Sem jamais esquecer que é muito mais que uma sigla. Trata-se da nomeação de identidades que nos permites sermos e nos reconhecemos no mundo.
Vamos falar de algumas letras da sigla, pensando na relação dessas diversas identidades com a saúde mental de modo afirmativo!
L de lésbica
A lesbofobia é uma violência que se materializa em pequenas intolerâncias no dia a dia e seu ato extremo se consuma no lesbocídio, fenômeno proeminente no Brasil e cuja subnotificação dificulta ainda mais sabermos o alcance desta violência bem como se consuma numa outra violência sobre vidas lésbicas negadas como tal até mesmo depois de assassinadas.
Ter sua vida em risco só pelo fato de ser lésbica é algo que vai se tecendo em diversas formas de intolerância.
Presumir que uma mulher deveria estar disponível a um homem, tomar duas mulheres juntas como fetiche para estimulação própria, inferir que é lésbica porque ainda não encontrou um homem certo, supor que o sexo entre duas mulheres cis não é sexo de verdade, negar a sexualidade lésbica das mulheres trans e das travestis…
Em suma, não dá pra falar de lesbofobia sem falar de outros fenômenos que a subssumem como o machismo e a transfobia, sendo esta última infelizmente expressa por vezes dentro dos próprios círculos lésbicos.
Um mundo que encontra na hetero-cis normatividade formas de gerir o funcionamento social vai pegar primeiro no calo de quem está mais refém do patriarcado. E reconhecer a si como mulher lésbica num mundo que não nos ensina a validade dessa sexualidade pode incorrer em sofrimento e medo.
Por isso é tão vital pensar na resistência como algo inegociável. Resistência externa a si nas relações que se constroi para estar viva e positivar a própria existência, e resistência interna, isto é mediante nossas relações, estruturar recursos psíquicos para fundamentarmos nossa potência e as devidas contradições da realidade que devemos elaborar sem jamais nos anular!
B de bissexual
A sigla B é a com maior contingente de pessoas na comunidade LGBTQIAP+, e ainda assim tem muita gente fora e dentro do vale que resiste em reconhecê-la como uma sexualidade válida.
Estar em cima do muro, pessoa com risco de me trair já que pode se interessar pelo outro sexo, pessoa 50% hetero e 50% homossexual, mina que agora é hetera porque tá namorando um cara, menino que é gay porque tá namorando outro menino…
Todas essas falas materializam a bifobia. Vivemos numa realidade que vai ensinando que sua sexualidade não é válida, uma vez o mundo ser pensado em termos excludentes: ou hetero ou homo, ou azul ou rosa, ou ativo ou passivo. Isso é algo que pode adoecer, afetar a autoestima e bem-estar. Afinal, bissexuais acabam não sendo aceites nem dentro nem fora do vale…
Aprendamos que nossa validade como LGBTQIAP+ não se dá pela simetria à lógica hetero-cis normativa. Se você presume que alguém vai te trair ou deixar de gostar de você só por ser bi, talvez seja bom retomar suas noções de afeto! Se você fica na lógica de julgar uma bi como tantos % homo e tantos % hétero, talvez seja hora se olhar para o mundo e para si e repensar a sua noção de sexualidade. Isso tudo não só é respeito à comunidade bissexual como também desenvolvimento coletivo e individual!!
T de trans
Ao contrário do LGB, que se referem à sexualidade – ou seja, por quem sinto atração – o T se refere à identidade de gênero!! Sexualidade e gênero são coisas diferentes, mas que caminham juntas tanto na nossa performatividade no tecido social e na nossa construção como sujeitos e que podem romper com padrões de ordem patriarcal na forma da sociedade se estruturar.
O rompimento com paradigmas cis normativos alcança patamares maiores por conta da letra T da sigla estar muito mais marginalizada socialmente.
E admitir o T de trans dentro e fora do vale passa por isso! Tanto em retomar construções de gênero, lembrando que nossa bandeira não é só sobre sexualidade não hetera como em, a partir disso, entender que existem trans héteres que vão compor o arco-íris – o que não é romper com a bandeira, pelo contrário, é reforçar sua radicalidade de emancipação de gênero e sexualidade.
Um adendo disso tudo é aprender que trans são tanto binários (mulher trans e homem trans) quanto não-bináries (gêneros que não cabem no binarismo homem ou mulher como: não binário, gênero fluído, agênero, etc).
Para muites é um exercício abstrativo desafiador formular tudo isso – reconhecer que as vidas podem ser mais do que você presumiu é complexo mesmo. Agora como você vai lidar com isso vai apontar pro quanto você encerra potencialidade de se desenvolver como sujeito e aliade num mundo que rompa com a transfobia!!
I de intersexo
Pessoas que não se encaixam nas definições normativas e biologizantes de homem x mulher também envolvem intersexuais
Há que se tomar cuidado para a patologização que se faz dos intersexuais, presumindo que devem escolher entre ser homem ou mulher discriminadamente errado através de atributos binarizados – muitas vezes algo decidido pelos responsáveis já em idade tão tenra e fazer os devidos tratamentos hormonais para performar binariamente um gênero.
O corpo intersexo não é defeituoso, não são médicos e família que devem escolher o gênero pareando-o erroneamente a uma genitália e características hormonais tal como escolher o rosa ou azul pra fazer um enxoval, sendo que o próprio enxoval tal como se dá já está errado!
Respeitemos a soberania e integridade de vidas intersexuais e não esqueçamos o seu lugar em nosso vale!!
A de assexual
Para muites de nós o desejo sexual e o desejo romântico (afeição, desejo de proximidade e intimidade que não é de conotação sexual) estão colados e a gente não percebe que podem ser coisas diferentes.
Nisso acaba tendo o estranhando com a possibilidade de uma sexualidade assexual/ace em que o desejo e prazer sexual não não existe ou é menos frequente que pessoas alossexuais (pessoas que não são assexuais).
Não tem nada de errado em falar abertamente de sexo, erotismo e tesão. Mas presumir que prazeres e o desenvolvimento de uma sexualidade só gira em torno disso é uma noção muito empobrecida, tanto no que tange a exclusão de vidas que não se conformam nisso como em ignorância de nosso autoconhecimento.
Lembrar que sexualidade vai para além do sexo, que os prazeres são múltiplos e exaltar nossas máximas potencialidades de humanização via cultura é lembrar que a sigla A também pertence ao vale!
P de pansexual
Existem identidades de gênero que não se conformam em binarismos, há que se formular o afeto em relação a tais corpos e vidas – tanto para validar a possibilidade desse afeto bem como para nomear o existente.
Vale frisar que embora “pan” signifique “todo” não quer dizer que pansexuais têm atração e querem pegar todo mundo, ok? Reconheçamos que a possibilidade de desejar para além do binário normativo é diferente de estar disponível afetivo-sexualmente para todo mundo!
Clique aqui para agendar uma consulta com a Psicóloga Nassim Golshan