Nos dias de hoje a psicologia tem sido muito mais reconhecida. O interesse em cuidar da saúde mental é algo importantíssimo. Estamos superando tabus acerca do medo do estigma da loucura e da anormalidade, dentre outras ideias equivocadas que distanciam ainda mais as pessoas dos devidos cuidados de angústias, dores, sofrimentos, inquietações, em direção a uma melhor saúde psíquica e bem-estar.
Mas, na vida, tudo o que ganha repercussão tem o seu lado bom e o seu ponto de atenção. Logo, a gente precisa pensar no lugar do processo psicoterapêutico e do falar de psicologia de modo geral na atualidade. Isso é fundamental para que um espaço de cuidado e desenvolvimento não seja convertido em mais uma engrenagem de pressão para produtividade e competitividade nesse mundo de relações pautadas no individualismo.
O que terapia não é
Ao entendermos que a psicoterapia é um espaço de cuidado da saúde mental que oferece acolhimento e escuta empática, temos que dar um passo para trás e pensarmos o que é acolher e o que é empatia nas nossas relações. E o que NÃO É empatia e acolhimento nas nossas relações.
Vamos primeiro pensar o que ‘não é’ para a partir disso a gente poder pensar o que a saúde mental pode vir a ser.
1- psicoterapia não é lugar de só reclamar e ser ouvide
A reclamação e o se queixar de coisas, pessoas e situações é importante e deve ser acolhida. Todavia, a psicoterapia é um espaço relacional, isto é, via de mão dupla. É no falar e no ouvir reciprocamente que podemos nos desenvolver, alçando possibilidades que sozinhes não conseguiríamos atingir.
Quando estabelecemos relações unilaterais e monólogos demandantes (com a psicológa ou com outras pessoas), a todo tempo, isso não só prejudica a qualidade das nossas relações, mas também é prejudicial a nós mesmes no sentido de nos impedir de nos mobilizarmos para além da situação do presente.
2- terapia não é lugar de alguém concordar e te dar tudo o que você quer ganhar e ouvir
Ao se falar de acolhimento e cuidado, entende-se erradamente, por algumas vezes, que é papel da psicóloga ser um sujeito passivo e dócil que apenas passa a mão na cabeça e é extensão dos nossos desejos imediatos. O cuidado e o acolhimento muitas vezes pode ser passar a mão na cabeça sim, mas também é recebermos aquilo que não sabemos que precisamos mesmo sendo desconfortável. Tal como o limpar uma ferida, que é algo necessário, mesmo que cause o desconforto da ardência, é um cuidado importante.
3- terapia não é lugar de alguém me dizer o que preciso fazer
A ideia de contratar alguém para me dar respostas prontas não só cai numa lógica clientelista, como também pode nos manter impotentes e passives. Receber respostas prontas, em vez de elaborarmos elas, pode nos impedir de nos compromissarmos com a nossa própria vida e a terceirizarmos responsabilidades de escolhas e decisões que são em última instância nossas.
Ajudar a pensar caminhos, aprofundar questões que sozinhes não damos conta com um apoio profissional é diferente de ganhar respostas prontas quando isso sequer é papel da psicologia.
4- terapia não é lugar de receber diagnóstico
Dar diagnóstico não é papel da psicóloga, e isso tem os seus motivos. A patologização da vida foca no sintoma e acaba nos isentando de olhar para as causas das nossas angústias e sofrimentos. Isso não significa que não iremos acolher pacientes que recebem diagnósticos de profissionais qualificados para tal.
Nosso papel jamais é rotular pacientes e sim vê-los com os sofrimentos que apresentam, mas em sua totalidade, que é muito maior que o sofrimento apresentado.
Então, afinal o que é a psicoterapia?
Diante de todos “o que não é”, façamos as devidas sínteses do que a psicoterapia pode vir a ser.
Em meio a relações sociais cada vez mais imediatistas e alienantes no modo vigente de produzir e reproduzir a vida, a construção de uma parceria entre psicóloga e paciente para a promoção de desenvolvimento pode parecer perda de tempo. Mas afinal, não seriam justamente aquelas coisas que a gente empurra para baixo do tapete que deveriam importar mais?
1-Terapia é relação
A psicoterapia é, acima de tudo, uma relação intencional. Desse modo, retoma e transforma as relações interpessoais, afetivas e profissionais que a paciente estabelece em sua vida. Isto é, a vida em sua totalidade fora do setting terapêutico é abordada e trabalhada na relação com sua psicóloga. E a relação com ela o que medeia o desenvolvimento e transformação do paciente e das relações em sua vida.
Tudo que atravessa a terapia, como as expectativa que criamos sobre a terapia, diz respeito às questões que trazemos como pacientes. Expectativas de ter alguém que dê o caminho, ou que só dê bronca, ou que só concorde com tudo o que falamos, ou que nos dê um rótulo. Se trazemos para a terapia essa forma de pautar relações, isso diz respeito ao modo que nos relacionamos no nosso dia a dia e como o nosso psiquismo se configura em face desse modo de nos construirmos nas nossas relações.
Em suma, a terapia é uma relação que convoca o olhar sensível para a nossa história como sujeito, ou seja, para a nossa história de relações.
2-terapia é lugar de construir sentidos de ajuda e de autonomia
Terapia é lugar de relação que supera à lógica unilateral e da codependência. É lugar de elaborar o sentido de ajuda, mas sem jamais perder de vista o horizonte de autonômia. É lugar de ter em vista uma vida em que a gente um dia possa se ver sem a terapia, mesmo que mais pra frente precise procurá-la de novo.
Terapia é rever como somos como sujeitos, o que já desenvolvemos para chegar onde chegamos e o que nos falta desenvolver com a ajuda necessária para tal.
3-terapia é quebrar estigmas sobre cuidado
Terapia não é coisa de doida, de reclamão, de pessoa quebrada. É lugar de gente que entende ou está em processo de entendimento que a vida é um emaranhado de contradições, que somos essas contradições e que olhar para elas não é fraqueza. E sim viver em movimento.