Como anda a pressa ai?
E mais, pressa do que e para que?
A vida na realidade em que vivemos nos coloca em constante sensação de atraso. Problemas que aparecem no meio do caminho são recebidos como imprevistos nem um pouco bem vindos. E é lógico, ninguém gosta de problema, mas também é ilusão uma vida sem eles, logo, insustentável lidar com problemas como coisas que não deveriam existir.
Se isso acontece no trabalho, estudos, relações, não seria diferente na terapia. Levamos para a terapia tudo o que somos e nos tornamos em nossa trajetória. E não raro a pressa de resolver os problemas que levaram alguém a procurar pela terapia cai de bandeja nos atendimentos.
Pelo Código de Ética da Psicologia, nós psis não podemos dar previsões taxativas em nosso trabalho. Como dar prazo para resolver algo que escapa de um controle procedimental? A complexidade de um problema que temos diz respeito a complexidade de toda uma vida que não fica da porta pra fora do atendimento. Ainda mais, psicoterapia não necessariamente é lugar de resolver problema, pelo menos não como costumamos compreender o que seja problema.
Vamos aos exemplos
Não raro, vemos na terapia, e na vida, que costumamos resolver problemas usando o próprio problema, ou seja, a gente só se afunda mais nele. O que quero dizer com isso?
Pense na ansiedade por exemplo. Não raro pessoas hoje em dia sofrem de ansiedade. A ansiedade é um sentimento humano como outro qualquer e tem a sua função. Todavia, quantas vezes a gente tenta resolver os problemas da ansiedade usando a própria ansiedade. Lidar com a ansiedade de não saber se vão me aceitar e gostar de mim tentando mirabolar na cabeça várias falsas garantias de que ninguém vai desgostar da gente. Lidar com a sobrecarga por conta da ansiedade de dizer “não” se enfiando em ainda mais coisa pra fazer e tornando a vida muito mais uma brigada de apagar incêndio em vez de muitas outras coisas que ela poderia ser.
Rolou uma identificação ai? Pois bem, nem sempre o que a gente quer pra resolver os nossos problemas é de fato aquilo que a gente precisa. E ai entramos nós, terapeutas, dando limite onde o sujeito ainda há de aprender dar, colocando realidade onde ainda existe idealização da realidade, mostrando a possibilidade incerta mas existente onde há fatalismo.
As nossas angústias sempre são o ponto de partida para o autoconhecimento, seja na terapia ou em outros meios, mas nunca a raiz. Podem se tornar o ponto de chegada, mas para isso precisamos adentrar os vínculos internos de toda uma construção do nosso jeito de pensar a vida, se pensar, pensar o outro e responder à realidade. Doce ilusão achar que viríamos pra terapia trabalhar só uma gavetinha sem ter que remexer todo o resto. Não somos depósito pra nos tratarmos de forma departamental.
Na Psicologia Histórico-Cultural usamos como método o Materialismo Histórico-Dialético. A partir dele superamos uma lógica quadradinha (A + B = AB), a tal da lógica formal. Ou seja, para nós o todo não é a soma das partes,
A + B é igual a C, pois quando diferentes coisas que intervinculam elas se tornam algo diferenciados que incorpora e supera as coisas de antes em direção a algo novo. A nossa ansiedade foi muita coisa antes de ser ansiedade que em interrelação tornou expressível a ansiedade, mas a ansiedade é muito mais que a soma de uma série de fatores. Dificuldade de dormir, medo do chefe, ciúmes no namoro, dificuldade de manter amigos etc não formam a sua ansiedade em somatório. O conjunto disso tudo ao se imbricar forma algo muito mais complexo: o sujeito que somos, que é uma síntese de múltiplas determinações.
Não era proatividade, era ansiedade
Em outras palavras, é muita ilusão achar que em X meses você vai “resolver” um problema que por um longo período da sua vida levou pra se desenvolver. Os problemas são e não são o que parecem. Por trás de uma ansiedade, depressão, tristeza, luto, tem muita coisa que faz a ansiedade, a tristeza e o luto serem muito mais do que a gente imaginava.
É por isso que eu gosto de pensar que frustrar a pressa pode ser cuidado. Nosso papel como psis não é fomentar o jeito disfuncional de resolver o problema através dele mesmo e sim ajudar o sujeito a se ver para além do problema.